Consequências eleitorais da reprovação de contas de gestor público
Publicado em 1 de junho 2015Subtítulo: A mais polêmica das causas de inelegibilidade criadas pela Lei da Ficha Limpa, sem dúvidas, será a decorrente de reprovação das contas de gestão pelos Tribunais de Contas e Poder Legislativo.
A Lei Complementar n.º 135, de 04 de junho de 2010[1], conhecida como Lei da Ficha Limpa, criou novas causas de inelegibilidade para “proteger a probidade administrativa” e “a moralidade para exercício de mandato, considerando a “vida pregressa do candidato”[2]. Com a lei, os gestores públicos que “tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa” tornam-se inelegíveis durante o período de oito anos.
Essa é, certamente, uma das causas de inelegibilidade mais polêmicas entre as criadas pela Lei da Ficha Limpa, e, certamente, será a que vai gerar maior grau de discussão sobre a adequada interpretação da norma, em cada caso concreto. Quando se criou conseqüências eleitorais para a reprovação das contas de gestor público, aumentou-se a relevância jurídica e social dos julgamentos acerca do correto manejo de recursos públicos nos Municípios, nos Estados e na União.
Cresceu, portanto, o poder dos Tribunais de Contas e dos Parlamentos, principalmente em níveis estadual e municipal, pois suas decisões sobre as prestações de contas agora podem interferir, de forma mais direta, no futuro político de pretensos candidatos e até mesmo alterar o rumo de eleições.
No julgamento de contas públicas no plano municipal, aos Tribunais de Contas incumbem fornecer um parecer prévio sobre as informações prestadas pelos gestores a cada ano. Esse parecer, que aprova, aprova com ressalvas, ou reprova a prestação de contas, somente pode deixar de prevalecer em virtude de uma decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal (art. 31 da Constituição Federal[3]).
Para configuração da inelegibilidade de gestor público cujas contas forem reprovadas, pelo Tribunal de Contas ou pelo Parlamento, dois requisitos são indispensáveis. Primeiro, que a reprovação decorra por “irregularidade insanável”, e, segundo, que tal rejeição seja decorrente de “ato doloso de improbidade administrativa”. Sem qualquer dos dois elementos não se verifica a hipótese criada pela Lei da Ficha Limpa.
A “irregularidade insanável” é o que se chama, na Hermenêutica Jurídica, de cláusula aberta. Isto é, não é algo que tenha uma definição objetiva, seja algo consensual e pré-estabelecido. A definição desse conceito, invariavelmente, dependerá da análise de cada caso, da valoração .
Obviamente, isso não confere ao intérprete (no caso, os
Assim, por exemplo, a Lei Orgânica do Município de Natal não define que seria uma irregularidade insanável. Porém,
Já em relação a improbidade administrativa há Lei Federal que disciplina a matéria, enumerando um rol de condutas que a configuram. Trata-se da Lei Federal n.º
[1] “Altera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato.”
[2] Constituição Federal, Art. 14, § 9º: “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.” (Grifos acrescidos).
[3] “Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.
- 1º – O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.
- 2º – O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.
- 3º – As contas dos Municípios ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei.
- 4º – É vedada a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais.” (Grifos acrescidos).