A multiparentalidade e a possibilidade de cumulação de pensões paterno-filiais
Publicado em 18 de abril 2019
Com diversas mudanças no direito de família, a paternidade socioafetiva e a multiparentalidade ganham espaço no cenário jurídico que até certo tempo só abrangia as relações oriundas da paternidade biológica.
Assim, surge a dúvida em relação aos efeitos jurídicos do reconhecimento de mais de uma paternidade ao mesmo tempo, em especial aos alimentos, em que se busca verificar a (im)possibilidade de cumulações de pensão alimentícia nas relações paterno-filiais com maior atenção aos casos de multiparentalidade.
A tese sobre as responsabilidades do pai biológico mesmo existindo outra pessoa ocupando a figura paterna socioafetiva foi definida pelo Supremo Tribunal Federal quando esse egrégio tribunal entendeu que “(…) a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.
Para o STF, o princípio da paternidade responsável impõe que tanto vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto aqueles originados da ascendência biológica, devem ser acolhidos pela legislação.
Portanto, não haveria impedimento do reconhecimento simultâneo das duas formas de paternidade (socioafetiva ou biológica), desde que este seja o interesse do filho.
Percebe-se, então, a necessidade da exaltação do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente representando importante mudança de eixo nas relações paterno-materno-filiais, em que o filho deixa de ser considerado objeto para ser alçado a sujeito de direito, ou seja, a pessoa humana merecedora de tutela do ordenamento jurídico, mas com absoluta prioridade comparativamente aos demais integrantes da família de que ele participa.
Cuida-se, assim, de reparar um grave equívoco na história da civilização humana em que o menor era relegado a plano inferior, ao não titularizar ou exercer qualquer função na família e na sociedade, ao menos para o direito.
A possibilidade de se pensar e considerar a socioafetividade e sua consequente multiparentalidade é possível porque a família deixou de ser basicamente um núcleo econômico e de reprodução, com hierarquia patriarcal, transformando-se antes de tudo em um terreno de construção do ser humano, de seu caráter, tornando-se humanizada.
A partir da consolidação do princípio da dignidade da pessoa humana, que ganhou status de princípio jurídico, que é norma jurídica incidente sobre as regras (leis), com mandados de otimização para todo o sistema jurídico, criou-se o cenário adequado para o surgimento e desenvolvimento do princípio da afetividade, associado aos princípios da responsabilidade, solidariedade, paternidade responsável e igualdade entre os filhos, todos estes sustentados pelo princípio da dignidade humana. Tais princípios são a base do desenvolvimento da paternidade e da filiação socioafetiva.
O reconhecimento da multiparentalidade permite a conversão de um vínculo precário, em que, teoricamente, apenas um dos requerentes poderia ter a paternidade reconhecida com base na consanguinidade, para um vínculo institucionalizado, no qual os pais biológico e afetivo poderão ter suas paternidades simultaneamente reconhecidas.
Pra falarmos de alimentos na multiparentalidade, devemos iniciar trazendo à memória o art. 229 da Constituição de 1988, que afirma que “(…) os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
Da mesma forma, o art. 1.696 do Código Civil assegura que a prestação de alimentos é recíproca entre pais e filhos, de modo que todos os pais poderão prestar alimentos aos filhos, bem como estes poderão prestar alimentos a todos os pais, caso necessitem. Por óbvio, com fundamento nessas duas normas, na multiparentalidade não deve ser diferente, considerando sempre o binômio possibilidade e necessidade em respeito ao parágrafo 1º do artigo 1.694 do Código Civil.
Sendo assim, não há que se falar em outra forma no dever de prestar alimentos, apenas por se tratar da multiparentalidade. Se através da multiparentalidade os filhos conquistam o direito de terem inserido em seus registros os nomes dos dois pais ou das duas mães, logo, por não haver distinção entre filhos, conforme previsto expressamente no artigo 227, § 6º da CF, não há outra forma de aplicação do direito dos alimentos a não ser a legal, vigente em nosso país.
Os fundamentos acima citados deixam claro o cunho tipicamente familiar do instituto da multiparentalidade, que se fundamenta exclusivamente no vínculo conjugal, nas relações de união estável e no vínculo de parentesco (neste último incluído o jus sanguinis e aquele decorrente da adoção), não tem por que ter sua aplicação no direito alimentar diferenciado da lei de alimentos, vigente no ordenamento jurídico pátrio.
Na tripla filiação multiparental, o menor necessitado poderá requerer alimentos de qualquer um dos pais, atendendo o princípio do melhor interesse da criança, presente no Estatuto da Criança e do Adolescente. Resta claro que a possibilidade de uma tripla filiação teria muito mais condições de contribuir para o adequado desenvolvimento do menor.
Nos casos onde os magistrados decidissem por reconhecer a tripla filiação, sempre haverá a prévia relação familiar de fato, restando apenas reconhecer uma regulamentação de direito.